O contexto atual nos remete a uma crise pragmática, estamos em transição, resiliência social e crise ambiental, os recursos naturais se exaurindo, pandemia, e cada vez mais a eficiência energética tem repercussão nacional e internacional.

Soluções, métodos, políticas e legislações que visam utilizar corretamente os recursos disponíveis são objeto de discursos e olhares, assim como, a necessidade de reduzir custos operacionais, legislações mais restritivas com relação a matriz energética, segurança, racionamento e busca crescente por qualidade de vida permeiam nosso cotidiano.

Indicadores do impacto e a necessidade de mudança 

A realidade desta crise socioambiental se revela pelos números que se apresentam através de organismos internacionais e nacionais:

• 85% da população brasileira vivendo em centros urbanos;

• 35% de aumento no consumo de eletricidade nos últimos 10 anos, equivalente a 460 milhões de toneladas de CO2;

• 50% a mais no consumo de recursos naturais não renováveis e deste consumo cerca de 50% volta na forma de resíduos sólidos que emitem aproximadamente 75% dos gases que geram o efeito estufa.

A busca por mudança tornou-se uma necessidade urgente e permeiam já todas as esferas e atores, desde a área pública até privada, profissionais e cidadãos, envolvendo, portanto, toda a sociedade.

Um exemplo, é no setor da construção civil, um dos mais impactantes, onde desde 2008 e 2009 no Brasil tem-se adotado políticas que visam o crescimento e desenvolvimento para atender as demandas por habitação e trabalho ainda não atendidas, juntamente com o comprometimento em reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2) entre 36% a 39% até 2025 em relação a 2005. Ressalta-se que este compromisso social converteu-se em compromisso climático assumido no Protocolo de Paris.

Construção civil e Habitação de Interesse Social – HIS

A construção civil direcionado para programas de habitação popular no Brasil sempre funcionou como termômetro do crescimento econômico do país, mas a que custo social e ambiental?

A imposição global por soluções sustentáveis pressionam cada vez mais para que o país cresça e construa atentando com procedimentos e materiais menos impactantes e mais justos e com qualidade e conforto construtiva mínima, diferente de como vinha sendo feito desde a década de 1960 nos programas para habitações de interesse social (HIS), por exemplo. Nestes programas sempre foi comum, e ainda é, as construções serem realizadas com dimensões, materiais e soluções técnicas de baixo custo; em modo geral, os materiais usados são os minimamente solicitados pelas legislações e normativas.

Outro aspecto importante destas construções, independente da qualidade construtiva, é a necessidade de intervenção na operação, seja por manutenções e ou ampliações. Nesta etapa, opções mais ecoeficientes de materiais e procedimentos também devem ser acessíveis aos usuários, numa visão da Agenda 2030 da ONU.

Mais uma questão é que, independentemente da qualidade arquitetônica das HIS existentes, inevitavelmente muitas passaram ou passarão por alguma intervenção/manutenção e ou ampliação desde sua aquisição e estas questões de sustentabilidade devem se estender também nesta fase de operação.

A importância deste segmento de habitação popular e a necessidade de uma visão sustentável se ressalta mais uma vez pelos números, visto que entre 2010 e 2015 foram entregues 10 milhões de unidades habitacionais pelo programa MCMV- Minha Casa Minha Vida, em torno de uma habitação por hora. Observa-se que mesmo assim o déficit habitacional ainda não foi sanado, apresentando-se como uma demanda do mercado da construção.

Desafios e Oportunidades 

Neste contexto, as HIS consolidadas representam um mercado ignorado, em números globais.Até 2030 estima-se que serão necessárias cerca de 900 milhões de novas habitações, cerca 35 milhões a cada ano, quase 100 mil por dia. Em 30 anos, a quantidade de habitações deverá crescer 50%, atingindo 2,5 bilhões de unidades, conforme o Plano Nacional de Habitação (PNH) e onde não se tem adotado um redimensionamento em nível de projeto arquitetônico e nos projetos complementares (elétrico, hidrossanitário, estrutural e lógica) para que as demandas construtivas sejam atendidas conforme necessidades humanas de conforto, segurança, nem reduzir possibilidades de agressão ao meio, contudo, o comprometimento do país com redução de emissões de gases, a crise energética, a mudança de habito do brasileiro tem tornado a questão da obrigatoriedade em evidência.

Juntamente com o comprometimento do Brasil em reduzir as emissões de gases do efeito estufa (GEE) até 2030 com meta de redução de 7 bilhões de toneladas CO2 (equivalente ao consumo total da Europa) – 34% consumo energia, com ações em todos os setores, entre elas, ações do Procel possibilitaram uma economia de 8,9%, com a obrigatoriedade das concessionárias em investirem 0,5% a 1% em projetos P&D e PEE e juntamente com as iniciativas vinculadas a Aneel de regulamentação compulsória, diminuição da demanda energética, etiquetagem de edificações, ressaltando a importância da implementação da Lei de Eficiência Energética Nº10.295/2001.

Contudo, um dos grandes gargalos é a utilização de processos tradicionais para elaboração e execução das HIS que visam atendimento à curto prazo refletindo baixa qualidade, dimensionamento mínimo, entre outros aspectos.

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Ao lado a ilustração do panorama considerando três processos: tradicionais/recorrente, referencial/normatizado e enriquecido/almejado, apontando pontos positivos(verde) , intermediários(amarelo) e negativos(vermelho) dentro de cada processo.

Figura 1 – Análise das principais diferenças entre processos Fonte: Dados produzidos pelo o autor (2017)

O caminho demarcado pela obrigatoriedade 

O atendimento das questões de eficiência energética, fundamentado por organismos internacionais e nacionais, e formalizados por instituições que visam disseminar conhecimento e consequentemente embasamento para formalização de legislação, abordam premissas, entre elas almejar em 2050 que os edifícios fiquem com consumo líquido de energia quase zero, conforme visão do WBCSD – World Business Council for Sustainable Development :

“O consumo líquido de energia dos novos edifícios é zero, e os já existentes estão sendo reformados com o mesmo objetivo. […] os edifícios oferecem formas mais econômicas de poupar energia e de reduzir as emissões de CO2. […] e o setor da construção se baseia no conhecimento. As questões energéticas tornaram-se altamente prioritárias […] Os códigos de energia para edifícios novos e existentes são mais rigorosos e bem aplicados. Rótulos de desempenho energético em todos os edifícios conferem transparência.” (WBCSD, 2010:25)

De forma direta as metas a serem atingidas possuem caminho compulsório e demarcado, e que no quesito energia vem passando por transformação do mercado. Os diferentes governos, através da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel tem instituído políticas e legislações que visam aumentar as exigências referentes à eficiência energética por modelos e processos internacionalmente reconhecidos e seções educacionais que visam a partir do conhecimento, estimular o mercado. Esta estratégia, dentre outros, complementa os mecanismos de estímulos de consumo de produtos eficientes através do Programa Brasileiro de Etiquetagem – PBE, e que para edificações é estruturado através do Procel Edifica que visa, por sua vez, tornar compulsória a etiquetagem em edificações residenciais até 2025, através do PBE Edifica. 

A etiquetagem de edificações. Realidade e o que vem por aí …

A etiquetagem de edificações no Brasil foi publicada em 2009 e revisada em 2010, ano em que também foi publicada a metodologia para classificação dos edifícios residenciais. A etiqueta é concedida em dois momentos: na fase de projeto e após a construção do edifício. Um projeto pode ser avaliado pelo método prescritivo ou pelo método da simulação, enquanto o edifício construído deve ser avaliado através de inspeção in loco. As etiquetas são emitidas por Organismo de Inspeção Acreditado (OIA) pelo Inmetro, para Eficiência Energética em Edificações – OIA-EEE.

Desde agosto de 2014, a Etiquetagem de Edificações tornou-se obrigatória em edifícios da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional. A Instrução Normativa SLTI n.º 2/2014, do Ministério de Planejamento Orçamento e Gestão (MPOG) dispõe sobre as regras para a aquisição ou locação de máquinas e aparelhos consumidores de energia e o uso da Etiqueta Nacional de Conservação de Energia (ENCE).

No total, foram avaliadas mais de 240 edificações pelo Inmetro/ OIA, entre edificações comerciais, de serviços e públicas e até o final do mês de setembro/2020 foram avaliadas 174 edificações e emitidas 257 etiquetas: 159 de projeto e 98 de edificação construída.

Dentre as edificações residenciais, e para o mesmo período de contagem, foram emitidas 5.042 etiquetas. Na fase de projeto, foram 16 etiquetas nas áreas de uso comum, 41 etiquetas multifamiliar e 2.665 etiquetas de unidades habitacionais. Para as edificações construídas, foram 5 etiquetas de uso comum, 17 etiquetas multifamiliar e 2.320 etiquetas de unidades habitacionais.

Estes números tendem a aumentar, e tendo em vista o trabalho do Centro Brasileiro de Eficiência Energética em Edificações (CB3E), novos parâmetros estão em processo de análise e possibilitarão que busquemos o Net Zero Energy Building- NZEB, consolidando desta forma uma avaliação conforme as diretrizes nacionais. Abaixo o modelo vigente de etiqueta e a proposição. Fonte: http://cb3e.ufsc.br/sites/default/files/1 – Introdução ao novo método.pdf

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Figura 2 – Introdução ao novo método – Fonte: http://cb3e.ufsc.br/sites/default/files/1

Além de inserir novos itens como, energia renováveis, água e CO2, a ENCE, apresentará 2 novas páginas contendo informações detalhadas das avaliações parciais e condições de avaliação.

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Figura 3 – Introdução ao novo método – Fonte: http://cb3e.ufsc.br/sites/default/files/1

Outro ponto importante é que o Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV, que desde agosto/2020 passou a ser Programa Casa Verde e Amarela, as discussões quanto a melhoria da qualidade arquitetônica e urbanística dos empreendimentos continuam, entre os debates: promover a adoção de tecnologias e soluções inovadoras para a qualificação da HIS e incentivar soluções construtivas e projetuais que minimizem os custos de manutenção, juntamente com o EEDUS – Eficiência Energética para o Desenvolvimento Urbano Sustentável. A visão é explorar o potencial de Eficiência Energética – EE nas habitações populares e implementação de uma política energética neutra e sustentável.

Além dos indicadores já ressaltados inicialmente, outros motivos para esta visão e compromissos estão evidenciados em pesquisas, e recorrentemente divulgados pelas mídias, apresentados pelo Ministério do Meio Ambiente, em que as variações climáticas, amplitude térmica são pontos que possuem grande impacto para as HIS:

“[…] é necessário desenvolver metodologia de adaptação da infraestrutura urbana e dos edifícios existentes para torná-los resilientes, diminuindo o risco de catástrofes que se repetem.” (MMA, NUNES, et al., 2015:104)

Conforme Nunes ainda, não podemos deixar de lado as questões ambientais globais e suas implicações sobre mudanças climáticas que poderão exigir adaptações do ambiente construído e que deverão delinear num futuro muito próximo para toda a sociedade, sendo elas:

a) Segurança de abastecimento de água, devido ao risco de períodos secos, com impacto tanto na necessidade de dimensionamento de reservatórios de água quanto na geração de energia elétrica, e aumento da salinidade provocada pela elevação do nível do mar.

b) Aumento do risco de enchentes e alagamentos em áreas densamente povoadas, devido à possibilidade de aumento da taxa de ocorrências de chuvas intensas.

c) Aumento do risco do escorregamento de taludes, naturais ou artificiais, provocado pelas chuvas e degelo.

d) Segurança estrutural em edifícios: associada ao aumento de cargas de vento, cargas térmicas e acumulação de água durante precipitações intensas.

e) Aumento da temperatura ambiental e da carga térmica dos equipamentos existentes, agravando o desconforto dos usuários, que tendem a aumentar o uso de aparelhos de ar-condicionado e ventiladores e, em consequência, o consumo de energia dos edifícios.

f) Problemas de fundações em edifícios e outras obras, associados às variações do nível do lençol freático.

g) Modificações na taxa de degradação de materiais de construção, levando à falha precoce dos produtos. A elevação da temperatura implica aumento das taxas de degradação em geral, incluindo a corrosão.

h) Definição de materiais a serem empregados: A diferença entre utilizar qual material, chega a ser insignificante, mas sim a diferença ambiental e verificação entre fornecedores do mesmo material podem ser mais importantes. Recomendações genéricas e superficiais não serão aceitas, o ideal será implantar metodologias de Análise do Ciclo de Vida – ACV.

O que buscamos no quesito HIS e EE? 

Os resultados positivos com as HIS sugerem que os custos de empreendimentos sustentáveis tendem a diminuir conforme as empresas aprendem e ganham experiências melhorando seu uso e a assistência técnica:

“As habitações de interesse social holisticamente sustentáveis podem fornecer significativos e demonstráveis benefícios de saúde, econômicos e ambientais para os residentes em comunidades de baixa renda. As residências acessíveis sustentáveis são rentáveis: os benefícios financeiros excedem em muito o custo adicional da construção sustentável.” (KATS, 2010: 41)

Além dos resultados possíveis com eficiência energética, precisamos buscar mostrar a importância de melhorar o entorno das construções, onde construções mal executadas causam efeitos diretos e danosos à saúde física e mental, sobrelotando o atual sistema de saúde do país. A busca por estratégias para criação de ventilação cruzada e alguns casos de pressão positiva para conduzir o ar viciado para fora delas, a utilização de ventiladores para remoção da umidade (a mídia enfatizou a questão de ventilação no início da pandemia, o que demostra o quanto é preocupante), fundação isolada para controle do clima interno, capachos para detenção de sujeira e utilização de tintas com baixo teor de COV, são alguns exemplos.

Os resultados possíveis de serem obtidos com a utilização do método prescritivo do PBE Edifica demonstram que o processo de retrofit adequado aos conceitos do Procel é inerente e proporcionam retorno a curto, médio e longo prazo aos usuários. Cabe ressaltar que as classes sociais inferiores não são almejadas pelo mercado, com a utilização de automação da iluminação, segurança, utilização de equipamentos com tecnologia e eficiência e são mais acessíveis quanto ao payback, economia a médio e longo prazo; continuando a classe baixa à ser um mercado desprezado.

Além do fator de economia no consumo de energia elétrica e água potável, segurança, conforto térmico, climatização, e necessidades especiais, tem-se obtido retorno também na valorização do imóvel e que apesar desta distinção, a população de baixa renda tem se apropriado das tecnologias de uma forma pragmática. Os smartphones que os diga totalmente desvinculada do resultado da arquitetura.

O futuro é promissor, as estratégias, técnicas e tecnologias para viabilizarmos a eficiência energética não só em edificações de alto padrão ou comerciais são vastas, basta olharmos para as diferentes realidades, demandas e converter as soluções em forma de oportunidade até que vire obrigatoriedade.

Referências  

ABNT, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 8995: Iluminação de Espaços de trabalho internos. Rio de Janeiro 2017.

ABNT, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15215: Iluminação natural. Rio de Janeiro, 2005.

ABNT, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220: Desempenho Térmico de Edificações, Rio de Janeiro, 2005.

ABNT, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15575: Habitações de Interesse Social. Rio de Janeiro, 2011.

CIANCIARDI, G.; BRUNA, G. C. Procedimentos de sustentabilidade ecológicos na restauração dos edificios citadinos. Cadernos de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, 4, 2004. 113-127. http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/cpgau/article/view/5967.

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INMETRO. http: //www.inmetro.gov.br/inovacao/publicacoes/cartilhas.

LAMBERTS, R.; DUTRA, L.; PEREIRA, F. O. Eficiência Energética na Arquitetura. 3ª edição. 2013.

MAYER, R. A gramática da habitação mínima: análise do projeto arquitetônico da habitação de interesse social em Porto Alegre e região metropolitana. Porto Alegre, 2012. 205

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE Eficiência Energética: guia para etiquetagem de edifícios: volume 1. Brasília: MMA, 2015. 70 p. ISBN 978-85-7738-244-6.

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