No mês do dia mundial da água, dia 22/03, não é demais querer trazer uma reflexão pouco difundida sobre caminhos para viabilizar a tão falada e desejada universalização do saneamento no Brasil.

Conforme um estudo da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) divulgado em junho de 2020, o Brasil registou 40 mil internações por falta de saneamento nos primeiros três meses de 2020 e os gastos chegaram a R$ 16 milhões.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada dólar investido em água e saneamento resultaria em uma economia de US$ 4,3 em custos de saúde no mundo. Recentemente, organizações ligadas ao setor privado de saneamento, reunidas em São Paulo, reforçaram a teoria da economia produzida por este investimento. Pelas contas do grupo, a universalização do saneamento básico no Brasil geraria uma economia anual de R$ 1,4 bilhão em gastos na área da saúde . (GONÇALVES, 2018)

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Mas vamos por partes… o que é saneamento de fato? E universalização do saneamento? 

Saneamento: Saneamento é o conjunto de medidas que visa preservar ou modificar as condições do meio ambiente com a finalidade de prevenir doenças e promover a saúde, melhorar a qualidade de vida da população e à produtividade do indivíduo e facilitar a atividade econômica. No Brasil, o saneamento básico é um direito assegurado pela Constituição e definido pela Lei nº. 11.445/2007 como o conjunto dos serviços, infraestrutura e Instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais. (Trata Brasil)

Universalização do saneamento: A universalização do acesso aos serviços de saneamento básico é uma meta que iniciou no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) de 2013 e que migrou para o novo marco legal do saneamento básico (PL 4.162/2019) aprovado pelo Congresso e sancionado pelo Presidente em julho de 2020. A universalização nesta nova lei prevê a coleta de esgoto para 90% da população e o fornecimento de água potável para 99% da população até o fim de 2033.

Saneamento no Brasil e a centralização

Conforme sistema nacional de informações sobre saneamento, atualmente a coleta de esgoto não ultrapassa os 75% da população brasileira, sendo que o tratamento não cobre mais do que 57,6% do municípios, conforme dados de 2017 da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico e do Suplemento de Saneamento da Pesquisa de Informações Básicas Municipais.

Ao analisarmos sobre as diferentes realidades regionais, temos a Região Sudeste com índice de 95,9% dos municípios contemplados, enquanto que as demais regiões esse percentual situou-se abaixo de 50%: na Região Nordeste, 49,0%; na Região Sul, 40,9%; na Região Centro-Oeste, 38,1%; e, na Região Norte, 13,8%.

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Foto: Pref. Municipal de Bagé/Divulgação: Agência Senado

A temática tratamento no entorno do saneamento básico, seja na garantia de água potável, sistemas de drenagem, resíduos sólidos e ou coleta e tratamento de esgotos é amplamente estudada e debatida no Brasil, porém os desafios frente a universalização, principalmente no que corresponde ao serviços acessíveis para esgoto sanitário ainda são desafios reais à décadas. Até o momento os estudos e debates em relação a modelos alternativos aos adotados através do PLANASA são ainda necessários de serem desenvolvidos, entendidos e organizados em um conjunto de informações técnicas e financeiras passíveis de melhor análise pelo poder público para que este possa atuar na melhora contínua dos serviços e principalmente avançar na abrangência destes ao maior número de brasileiros possíveis, principalmente aos cidadãos em situação de pobreza e risco sanitário por falta de infraestrutura mínima que deve ser garantia pelo Estado.

Desde 1970, em virtude do Plano Nacional de Saneamento Básico- PLANASA, a centralização é aplicada no Brasil como modelo principal, condicionando o tratamento do esgoto à toda uma necessidade de infraestrutura de coleta e condução do esgoto até sistemas localizados de elevatórias, acumulação e somente após o tratamento. Este modelo demanda altos investimentos desde os estudos, projetos, execução e operação dos sistemas contribuindo em muito inviabilidades técnica, econômica, geográfica e social no alcance da universalização da coleta e tratamento para toda a sociedade, especialmente para as áreas de vulnerabilidade social e periféricas e onde justamente a densidade demográfica é maior e por sua vez o impacto na geração e descarte irregular de esgotos.

E se…

novas formas mais viáveis tecnicamente e financeiramente fossem analisadas e pensadas pelo governo e concessionárias para atender ao grupo que não possui acesso ao saneamento básico?

…forem serviços descentralizados e com qualidade e eficiência de modo a garantir o atendimento aos padrões e paramentos ambientais de tratamento e destinação das águas pós uso?

…desse para aproveitar o máximo destes sistemas alternativos gerando sub serviços locais tais como água limpa e geração de energia renovável?

Refletindo caminhos através da descentralização 

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Os sistemas descentralizados surgem como alternativa para suprir as necessidades sanitárias da população que reside em regiões afastadas dos centros urbanos, que decorrem da ausência de infraestrutura pública. Essa alternativa permite que doenças e contaminações sejam reduzidas, buscando manter também as fontes de abastecimento de água seguras, pois em muitos casos em que não há coleta e tratamento de esgoto o abastecimento de água também pode ser precário (JORDÃO e PESSÔA, 2005).

A Water Supply and Sanitation Collaborative Council – WSSCC concebeu o conceito de Household-Centred Environmental Sanitation – HCES ou Saneamento Ambiental Domiciliar – SAD (EAWG/WSSCC, 2005), que propõe estabelecer a residência e sua vizinhança como a parte central do processo de planejamento do saneamento básico urbano, ou seja, a resolução do problema de saneamento deve ser o mais próximo possível de sua origem, no caso, o domicílio e em sua impossibilidade, vai se estabelecendo uma serie de zonas em seu entorno para negociar a exportação do esgoto.

Sistemas descentralizados portanto, são alternativas flexíveis e sustentáveis frente as grandes plantas de coleta e tratamento que exigem quilômetros de infraestrutura e a custos milionários.

É importante ressaltar, que a abordagem de sistemas descentralizados não está desprendida da total e necessária reponsabilidade do poder público em garantir o acesso, a qualidade e a regulação dos serviços, como já ocorre nos sistemas convencionais centralizados. Aqui se reflete apenas as técnicas, tecnologias e viabilidade e seus benefícios, jamais a ausência do poder público no controle e garantias dos sistemas e seus serviços à população, visto que trata-se de direitos constitucionais.

Analisar e entender o quanto a adoção de sistemas biológicos descentralizados alternativos de coleta e tratamento de esgoto doméstico podem reduzir e viabilizar os investimentos na infraestrutura de locais ainda não atendidos, bem como, o impacto na área da saúde é vital para o poder público cumprir o seu papel e planejamento dentro do contexto do novo marco legal do saneamento até 2033. Além disso, os modelos adotados poderiam ainda viabilizar diversos benefícios as comunidades locais, tais como:

. acesso e garantia de saneamento (coleta e tratamento adequado dos efluentes sanitários);

. reciclo e reuso da água tratada para fins não potáveis, tais como, sanitários;

. aproveitamento energético das emissões gasosas dos sistemas, para geração elétrica ou gás de cozinha. Estações de esgoto da Sanepar, por exemplo, já abastecem suas frotas com o biometano advindo do tratamento do esgoto. Mas para sistemas locais domésticos descentralizados outros usos podem ser dados ao biogás gerado, através de estudos de viabilidade conforme cada localidade e suas realidades específicas.

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Fonte: adaptado do site http://csbioenergia.com.br/energia-biogas/

 Sistemas biológicos descentralizados já foram instalados em países como Índia, Colômbia e China, este último com biodigestores domésticos, conforme Massoud (2008), gerando inclusive gás de cozinha através do tratamento do esgoto da residência. Existem diversas técnicas e tecnologias, das mais simples até as mais sofisticadas quando trata-se de tratamento alternativo descentralizado de esgoto, a citar alguns: Tanque de zona de raízes; Fossas sépticas com bombonas de 200L; Biodigestores domésticos; .Fossa séptica e filtro biológico de alvenaria; Fossa séptica e filtro biológico com manilhas; Fossa séptica e filtro biológico compactos; Fossa séptica biodigestor; Círculo de bananeiras; Tanque de evapotranspiração; Zona de raízes com caixas de água, entre outros.

A definição do melhor sistema depende de uma matriz de decisões que segundo Rodriguez (2009) permite ponderar critérios técnicos (eficiência de remoção do processo, necessidade de área e construção, consumo energético), econômicos (custo de reversão, operação, energético, operação e manutenção, vida útil) e ambientais, (subprodutos gerados e possível reutilização).

Estudar e analisar as viabilidades técnicas e econômicas dos diferentes sistemas alternativos e descentralizados para coleta e tratamento de esgoto são uma das formas inovadoras para enxergar caminhos acessíveis e que podem garantir, a todos, qualidade de vida, saúde, bem estar, bom uso e conservação das águas e equilíbrio ambiental dos ecossistemas. Abranger estas técnicas e tecnologias, portanto, é necessário para de fato alcançarmos a universalização do saneamento até 2033 nas diferentes regiões do Brasil e em todas as classes e condições sociais.

A Eecoah atua com soluções desde a melhor gestão no uso e conservação da água em edificações e processos, até estudos de viabilidade de substratos (resíduos) e seu gerenciamento com foco em geração energética direcionado a pequenas e médias industrias e comércios.

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